Nunca dormimos tão pouco


Iluminação artificial eficiente e generalizada, tecnologia conectando 24 horas o mundo globalizado, e pressa, muita pressa, porque há sempre muito a ser feito. O ritmo frenético da vida contemporânea vem levando o homem a reduzir seu tempo de sono. Um adulto saudável dorme hoje, em média, sete horas por dia; há 50 anos, eram nove. Os especialistas divergem em torno do tempo de descanso ideal, mas alguns dados são eloquentes: a insônia é um mal que aflige ou afligirá em algum momento um 1/3 da população mundial — sendo as mulheres cinco vezes mais afetadas que os homens. No Brasil, pelo menos 40% das pessoas têm alguma queixa relativa ao sono, segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS). Além disso, recentemente, um estudo do Instituto do Sono revelou que, nas pessoas mais longevas, há uma determinada etapa do sono, a do sono profundo, que tem pouca variação durante a vida — comprovando que dormir bem é essencial para a saúde.

As fotos de satélite mostram que a Terra está totalmente clara. Tudo parece funcionar 24 horas, e nós dormimos cada vez menos. A luz elétrica mudou nosso estímulo para dormir, até porque o hormônio promotor do sono é inibido por ela. Mas não dá para abrir mão de uma boa noite de sono: melhora o humor e o rendimento e previne doenças. Às vezes, a pessoa vai a mil especialistas e não sabe que, se dormir bem, já resolve seu problema. Uma criança que parece ter transtorno do déficit de atenção pode só estar precisando descansar mais. E há pessoas com pressão alta que, se tratarem a apneia, podem suspender o remédio.

De acordo com Luciano Ribeiro, neurologista do Instituto do Sono, de São Paulo, estudos americanos mostram que quem dorme de mais ou de menos têm problemas futuros como obesidade e redução do tempo de vida. O problema é determinar quanto é muito e quanto é pouco. Ele diz que o padrão muda de indivíduo para indivíduo, e questiona até a "obrigação" de se dormir à noite. Um de seus argumentos é a muito pesquisada interferência do gene PER3, que regula o sistema circadiano, na quantidade de sono necessária para cada pessoa: ele pode explicar a existência de 5% de pessoas vespertinas e 5% de pessoa matutinas encontradas em qualquer população. Para Ribeiro, se a pessoa está satisfeita com seu padrão de sono e não tem qualquer problema de saúde que possa afetá-lo — ou pareça decorrente dele —, não há com o que se preocupar.

— Cada um tem que dormir a quantidade adequada de sono para si. O mais importante é a qualidade do sono: se a pessoa dorme oito horas, mas tem apneia, vai se sentir mal, porque não está aprofundando seu sono, não está passando por todas as fases, afirma o especialista.

Para algumas pessoas, bastam quatro horas de sono para que se sinta bem. É o que se chama de dormidor curto. Já os dormidores longos precisam de cerca de dez horas de sono para ficar realmente descansados. Se isso não for possível, o efeito é desastroso.

Dormir menos do que o necessário, ou dormir mal, traz complicações a longo e a curto prazo. De irritabilidade à fadiga crônica, de hipertensão a problemas cardiovasculares, de alterações no sistema imunológico a diabetes. A obesidade — o mal do século — tem efeito de mão dupla: quem engorda aumenta a circunferência do pescoço, propiciando a obstrução da faringe. E, quem tem apneia dificilmente perde peso, porque a falta de oxigênio altera o metabolismo. Pior: segundo estudo que reuniu especialistas de instituições como a Universidade de Columbia e o Centro de Pesquisa de Nutrição e Obesidade de Nova York, dormir menos faz aumentar a ativação das regiões do cérebro sensíveis ao apelo da comida.

A lista de problemas é imensa, e varia de acordo com a idade. Crianças com distúrbios de sono são mais propensas a ter distúrbios comportamentais, como hiperatividade e agressividade, além de ter o rendimento escolar prejudicado e dificuldade de relacionamento, comprovou um estudo americano feito com mais de 11 mil voluntários, acompanhados por mais de seis anos. E homens na faixa dos 40 anos têm mais problemas respiratórios como o ronco, precursor da apneia, a interrupção momentânea e aflitiva da respiração. Nas mulheres, este tipo de problema costuma ocorrer após a menopausa, quando há interrupção da produção de estrogênio. Em compensação, elas têm até cinco vezes mais insônia e depressão que eles, em decorrência de alterações hormonais, múltiplas atividades, estresse e, acredita-se, predisposição genética.

A boa notícia é que, se tratados, os problemas relativos ao sono tendem a desaparecer ou ser bastante minimizados. O problema, diz a ABS, é que, no Brasil, não há o hábito de se procurar médicos para relatar problemas ligados ao sono. Apenas 15% das pessoas fazem isso, sendo que apenas 20% consultam especialistas no assunto.

A primeira providência para dormir bem é levar uma vida saudável e regrada, dizem os especialistas, o que significa apostar no velho tripé exercício físico, boa alimentação e horário (razoavelmente) certo para dormir. Se tudo falhar, recorra-se à medicina.

— Deve-se tentar primeiro o tratamento não farmacológico, chamado de terapia comportamental cognitiva, que, em seis sessões, uma por semana, promove o reaprendizado do sono — explica Luciano Ribeiro. — Mas, quando isso não é possível, já há fármacos indutores do sono menos perigosos que os benzodiazepínicos, que viciam facilmente.

Fonte: Jornal O Globo